Santa Teresa de Jesus: inquieta, andarilha, desobediente e muito mais...

Ícone de Teresa de Ávila. Arte: Walter Wellington

15 Outubro 2021

 

“O que mais amo em Teresa é o que um núncio do Papa afirmou sobre ela: '...mulher inquieta, errante, desobediente e teimosa, que como devoção inventou más doutrinas, andando fora da clausura, contra a ordem Concílio Tridentino e Prelados: ensinando como professora, contra o ensino de São Paulo de que as mulheres não ensinassem'. Justamente essas palavras mostram tudo o que ela foi em seu tempo, saindo dos moldes estabelecidos porque, na verdade, amava a Igreja, e não se resignava, para que nela se vivesse a radicalidade do Evangelho”, escreve Consuelo Vélez, teóloga colombiana, professora da Universidade Javeriana, Bogotá, em artigo publicado por Religión Digital, 15-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o artigo.

 

Em 15 de outubro se celebra a festa de Santa Teresa de Jesus. Sua vida e sua obra se mantém atual porque ela foi uma mulher que soube viver em “seu tempo” e “à frente deste”. Viveu em seu tempo e enfrentou as circunstâncias que se deparavam naquele momento, com naturalidade, confiança e intrepidez. Mas também viveu à frente do seu tempo porque rompeu com os moldes e estereótipos de sua época, vencendo os inimigos e detratores. Muitas coisas poderíamos dizer dela para mostrar a atualidade de seu legado. Recordemos algumas para celebrar sua festa.

 

O Êxtase de Santa Teresa. Escultura de Lorenzo Bernini, em Santa Maria della Vittoria, na Via XX Settembre em Roma

 

Foi uma mulher que se importava com o que acontecia e sentia a necessidade de se implicar nisso para dar alguma resposta. Assim expressa: “Está ardendo o mundo, querem voltar a sentenciar Cristo, como dizem, pois, levantam mil testemunhos, querem colocar sua Igreja a baixo, e gastemos tempo em coisas que, por ventura, se Deus as desse, teríamos uma alma a menos no céu? Não, minhas irmãs, não é tempo de tratar com Deus negócios de pouca importância”. Ou, como também expressou: “Vejo os tempos de maneira que não é certo descartar os ânimos virtuosos e fortes, ainda que sejam de mulheres”. Claro, esta expressão reflete a compreensão sobre as mulheres daquela época – e de hoje ainda em certos setores. Porém, para ela, aquelas chamadas de “fracas”, na realidade tem “ânimos virtuosos e fortes”.

Seu maior legado foi a experiência de oração que soube viver e ensinar, especialmente, a suas monjas. Em tempos onde não se permitia a oração mental para as mulheres, ela não duvida em instar a suas irmãs para que empreendam o caminho da oração e que ante as críticas que possam receber por parte dos clérigos, tenham ousadia de seguir esse caminho, não se importem com as críticas caso, porque, segundo ela, essas “são opiniões vulgares”. Ademais, recomenda a elas para que quando lhes for dito que deixem a oração, apelem à regra que manda “a rezar sem parar”.

Duas coisas são centrais para ela na oração: (1) a importância do amor e (2) a humanidade de Cristo. A primeira é muito significativa porque não é oração por oração, não a propõe como técnica, ascetismo – como às vezes se ensina hoje – porque o que importa é o amor: “o que importa não é pensar muito, mas amar muito, então faça o que mais vai te despertar para o amor”. O segundo é definitivo: a humanidade de Cristo é o meio para a mais alta contemplação, embora seus contemporâneos o neguem: “E vejo com clareza (...) para agradar a Deus e fazer-nos grandes favores, ele quer que seja pelas mãos desta Humanidade, sumamente sagrada, em quem Sua Majestade disse ter prazer (...) Vi claramente que por esta porta devemos entrar (...) Portanto, Vossa Graça, senhor (padre García de Toledo) não quer outro caminho, mesmo que seja no topo da contemplação, por aí se vai, seguramente (...) e em tempos de aridez, Cristo é um amigo muito bom, porque o olhamos como homem e o vemos com fraquezas e trabalhos e ele é companhia”. Ela busca orientação em seu próprio processo de oração, mas o faz com pessoas “letradas” – porque ela sabe como é fácil cair em qualquer tipo de explicação falsa – mas, ao mesmo tempo, para sua oração é uma fonte de sabedoria porque “a verdade de Deus se entrega a nós na oração, na relação de amizade com ele”. É por isso que se pode contradizer aqueles que dizem que não tens a razão.

Algo surpreendente são os alicerces que faz. Não há dificuldade humana que a impeça, porque sua confiança em Deus é absoluta e ela sabe que, se colocar tudo a seu lado, Deus não deixará a obra inacabada. Sabemos que não só funda conventos para mulheres, mas também para homens. E parece que não tem medo de nada. Ela é capaz de enfrentar tudo e não para de buscar soluções para as dificuldades que vão surgindo. Age com astúcia para conseguir o que busca e sabe esconder suas intenções para não ser reprovada pelos superiores até que o trabalho seja feito: “E então resolvi falar com o governador, e fui a uma Igreja que é próxima de sua casa e eu supliquei pelo bem de falar comigo. Há mais de dois meses que o procurava e a cada dia era pior. Ao me ver com ele, disse-lhe que era uma coisa forte que existissem mulheres que quisessem viver com tanto rigor e perfeição e confinamento, e que quem não gostasse nada disso, mas que estivesse cômodo, queria estorvar obras de tal serviço de nosso Senhor. Essas e muitas outras coisas eu disse a ele com grande determinação que o Senhor me deu; então comoveu seu coração, que antes de eu me livrar dele, me deu a licença”.

Graças a seus escritos, podemos continuar a aprofundar seu legado hoje. Repetidamente suas obras são estudadas, meditadas, oradas, refletidas e sempre muito beneficiadas por elas. Em seus escritos também mostra sua ousadia e seu ser à frente de seu tempo. Mais de uma obra foi questionada e retirada, mas a força de sua experiência permitiu que se recuperassem e podemos continuar aprendendo hoje com sua imensa profundidade espiritual.

Mas o que mais amo em Teresa é o que um núncio do Papa afirmou sobre ela: “...mulher inquieta, errante, desobediente e teimosa, que como devoção inventou más doutrinas, andando fora da clausura, contra a ordem Concílio Tridentino e Prelados: ensinando como professora, contra o ensino de São Paulo de que as mulheres não ensinassem”. Justamente essas palavras mostram tudo o que ela foi em seu tempo, saindo dos moldes estabelecidos porque, na verdade, amava a Igreja, e não se resignava, para que nela se vivesse a radicalidade do Evangelho.

 


Vídeo de Lúcia Pedrosa-Pádua sobre a vida de Teresa de Ávila

Precisamos de pessoas como Teresa neste momento em que o Papa Francisco convocou o sínodo sobre a sinodalidade: um momento de escuta, encontro e discernimento sobre os desafios que vivemos. Mas isso só dará bons frutos se nesses diálogos enfrentarmos o que realmente está errado na Igreja e com criatividade e ousadia evangélica propormos novos caminhos que rompam os moldes e se arrisquem a abrir horizontes diferentes e inéditos.

 

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